Assassinato Responsável

Lark

03 de outubro, 2024

Quem acompanhou a saga dos pássaros nas redes sociais sabe que nas últimas semanas tivemos a devastadora suposta morte de Abigail, e também o seu milagroso retorno. Apesar da enorme pressão popular pelo bem estar da louca dos signos queridinha dos leitores, não foi isso que me fez manter a Abigail viva; o arco dela já estava planejado desde sua primeira aparição.

JORNALZINHO DA LARK EDIÇÃO #02 • OUT2024

 

Assassinato Responsável

 

Quem acompanhou a saga dos pássaros nas redes sociais sabe que nas últimas semanas tivemos a devastadora suposta morte de Abigail, e também o seu milagroso retorno.

 

 

Apesar da enorme pressão popular pelo bem estar da louca dos signos queridinha dos leitores, não foi isso que me fez manter a Abigail viva; o arco dela já estava planejado desde sua primeira aparição. Bem, eu sou uma grande fã de finais felizes, eu jamais poderia ter matado permanentemente a Abigail.

 

 

Vejam bem.

Tudo numa história precisa ter um motivo.

Até aquelas cenas bobas que aparentemente não adicionam nada à história têm o seu motivo de estar ali. Quanto mais a morte de um personagem, que tem um peso tão grande.

E saber como, quando e porque matar ou não um personagem é um negócio complexo e delicado, porque eu acredito que todo autor tem uma responsabilidade sobre os sentimentos e expectativas que se gera nos leitores.

 

Por isso eu procuro praticar o assassinato responsável.

 

     

Quando a primeira morte (a da Raquel) ocorreu, eu já me surpreendi porque isso gerou uma comoção que eu não esperava pra uma personagem que fez uma aparição tão breve.

Nesse momento eu percebi que ia ter que dosar muito bem as mortes, pra não transformar a história num livro de terror.

Ainda assim, eu precisava que personagens morressem pra passar a gravidade do que estava acontecendo na firma!

    Eu testei um pouco mais a temperatura com a morte do Pedrão. Ele não é o mais brilhante da firma, é meio óbvio que ele vai ser o próximo a rodar. Ainda assim, ele apareceu por tempo o suficiente pras pessoas se apegarem, e a comoção aconteceu de novo.
    

Eu construí o personagem do Oswaldo pra não ser muito simpático. Eu não queria que a morte dele fosse tão sentida assim. O objetivo dela era evidenciar que o patrão vai dar qualquer desculpa mixuruca pra demitir funcionários, apesar dos esforços econômicos da Cristal.

 

Além disso, a crescente de mortes vai alimentando uma tensão no leitor. “A qualquer hora pode haver uma demissão. Quem vai ser o próximo??”

    

Finalmente, veio o Maicon. Ele apareceu por tempo suficiente pra, apesar de ser o coach chatão, virar um personagem querido. A morte dele era pra doer, nos outros personagens, e nos leitores também.

 

E agora, só sobraram os personagens que estão na firma desde o começo. “Quem vai ser o próximo???” Com a entrada do capítulo do inverno, que é mais pesado, essa tensão tinha que estar no seu limite pra eu dar a estocada final:

 

 

A Abigail não era só aquela personagem identificável por ser desastrada e tímida e fofinha que tornou ela uma grande queridinha do público. Ela também é a promessa de final feliz para o Zé, tanto quanto o Zé é a promessa de final feliz pra Abigail. Eu passei meses cozinhando o Zé em decepções amorosas e a Abigail em desventuras sociais. O envolvimento emocional dos leitores com os dois estava no auge.

 

Não importa a mensagem que eu estava querendo passar com toda a HQ.
Seria irresponsável da minha parte matar um personagem dessa forma.

 

Mas, como eu disse, tudo estava planejado. E a suposta morte dela também teve o seu motivo: DEVASTAR os leitores.

Existe um gráfico de emoção X avanço da história que é mais ou menos assim   ➜

 

O objetivo é que a linha verde suba até as alturas. Quanto mais alta for a felicidade do leitor, mais ele vai guardar aquela história no coração.

     

 

Mas aí é que tá.

Essa linha verde só tem o potencial de subir proporcional ao quanto ela desceu.

 

Tradução: a alegria do final feliz só pode ser tão intensa quanto foi a tristeza do ponto baixo. Pra realização do final feliz de AbigaZé™ ser completo, eles tinham que se deparar primeiro com a possibilidade de não ter o final feliz.

Assim, além de tudo acabar bem, eu ainda consigo transmitir a minha mensagem. Tudo deu certo no final, mas viram como quase não deu??

 

Eu finalizo com um trecho de uma aula de storytelling do (falecido) Neil Gaiman que ilustra genialmente como conduzir sentimentos:

 

Eu prefiro muito mais não te dizer como se sentir sobre algo. Eu prefiro que você apenas sinta, eu só conto o que aconteceu. E se eu te deixar chorando porque um unicórnio morreu, eu não vou te dizer quão triste a morte do unicórnio foi. Eu vou matar o unicórnio
e isso vai partir seu coração.

 

Neil Gaiman

 

 

 

 

N O V I D A D E S

 

Vem aí: Pelúcia dos Pássaros

 

O povo pediu, e pra encerrar com chave de ouro a repostagem do Livro dos Pássaros (que vai acabar lá pelo fim de novembro), vamos lançar 3 personagens de pelúcia: Abigail e Mateus.

 

 

Por enquanto, eles ainda estão na fase de protótipo, que é quando a fábrica vai acertar o modelo dos bichinhos, mas fica aí uma prévia (sim, O Zé e a Abigail vão ter cachecoizinhos 🤏🏽🧣).

 

A pré venda vai começar ainda esse mês, e eu vou alardear incessantemente em todas as redes pra ninguém perder essa! 😉

 

 

C O M O   E S C R E V E R   U M A   H Q

 

Torta de Ideia

Bom, essa é a parte onde eu conto a saga de escrever a minha HQ nova.

Vamos começar do começo: quando eu tive essa ideia.

 

Ilustração cedida pelo brilhante Yoshi Itice

 

Essa questão de “ter ideias” é um tema que poderia render 3 teses de doutorado. Afinal, de onde vêm as ideias? Do paraíso das ideias? Elas são trazidas magicamente até você pelas musas das artes? Você nasce com um número limitado delas e vai gastando ao longo da vida igual óvulos? Dá pra exercitar esse músculo criativo? Pra não me alongar demais, vou tentar resumir como isso foi pra mim numa receita de torta:

 

INGREDIENTES

 

MASSA

 

• O álbum Trench, do Twenty One Pilots;

• O filme A Origem, do Christopher Nolan;

• O livro A História sem Fim, do Michael Ende;

• A série Sandman, da Netflix;

• A trilha sonora de Lalaland;

• A HQ Quase Tudo são Flores, da Karipola.

 

 

RECHEIO

 

• 3 xíc. de reflexões sobre processo criativo;

• 1 xíc. de ranzinzice de artista;

• 2 col. de crise com a lógica utilitarista do capitalismo;

• 1 col. de ódio por IAs generativas;

• 1 bloqueio criativo.

 

 

COBERTURA

 

• 3 xíc. de ideias ruins engavetadas;

• 1 xíc. de ócio;

• 37 banhos;

• 1 papel;

• 1 lápis.

 

 

MODO DE PREPARO

 

MASSA (ou, inspiração):

 

Os ingredientes da massa parecem um monte de conteúdos aleatórios, certo? É exatamente o que eles são. São coisas que eu vinha lendo/assistindo e pensando sobre. Eu pensava sobre o que gostava e não gostava em cada coisa, e em aspectos entre elas. Claro que eu li e assisti muitas outras coisas além disso, mas calhou que essas foram as que tinham a ver com umas ideias que eu já vinha cozinhando no meu juízo há algum tempo.

Como nenhuma ideia vem do nada, eu acabei usando essas coisas de base e inspiração para o que eu queria fazer.

 

 

RECHEIO (ou, experiências pessoais):

 

A principal diferença entre uma criação sua e qualquer outra coisa que existe no mundo é a sua alminha, os seus sonhos, frustrações, gostos, desgostos e experiências de vida. O que eu listei ali foram algumas coisas que vinham habitando de graça o meu cérebro, situações que eu passei e alguns sentimentos que eu percebi que tinha vontade de falar sobre.

 

 

COBERTURA (ou, a ideia em si):

 

Enquanto a massa e o recheio são coisas que ficam marinando no seu ser ao longo de semanas (às vezes anos), pode-se dizer que a massa é o momento de iluminação quando tudo começa a se encaixar e você pode finalmente dizer “tive uma ideia!"

 

Esse momento de iluminação só ocorreu pra mim quando eu estava descansando sem fazer ou pensar em nada depois da maratona que foi produzir e lançar o livro dos pássaros. Não é uma regra, mas nosso cérebro costuma funcionar melhor quando está descansado. Por isso o ócio é um ingrediente fundamental.

 

Quando eu juntei a inspiração e as minhas experiências pessoais e decidi qual era o tipo de história que eu queria contar, eu peguei vários pedaços de ideias ruins que eu tinha tido antes e abandonado - um personagem, um cenário, um pedaço de trama, umas linhas de diálogo - e reconfigurei pra formar essa história nova.

 

Como não dá pra confiar na memória, a melhor coisa a se fazer é escrever imediatamente, por isso eu peguei papel e lápis e anotei tudo que eu tinha pensado. Spoiler: mais de 50% foi alterado até chegar na versão final, mesmo assim é importante registrar esse pequeno rascunho de ideia.

 

Depos disso, é só deixar a ideia cozinhar leeeeentamente nos momentos mais criativos do seu dia; pra mim, é quando estou tomando banho, mas posso dizer que eu basicamente passava cada segundo do meu dia pensando sobre essa história nova. Nessas horas eu fui encaixando algumas peças, mudando a ordem de algumas coisas, acertando as personalidades de cada um, até finalmente essa torta estar prontinha para ser servida!

 

Bem, vai ser sobre chá. Ela ainda não tem nome, mas já tem corpo e nas próximas edições do Jornalzinho vou falar mais do meu processo criativo e das etapas pra produzir esse monstrinho.

 

 

Só depois disso tudo é que eu vou começar a escrever o roteiro.

 

Essa foi a minha receita pra essa ideia. Se você pegasse exatamente esses ingredientes, seguisse exatamente esses passos, e basicamente, se você fosse eu, você seria capaz de ter uma ideia igualzinha a essa.

Com isso eu quero dizer que ter ideias não é uma ciência exata, e vai funcionar de forma diferente pra cada um. Eu estou só contando como foi esse processo pra mim, e talvez você possa tirar alguma conclusão pessoal disso.

 

 

 

 

 

Pra não adicionar mais 3 metros de texto nesse post, vou deixar essa questão pra ser respondida na próxima edição do Jornalzinho.

 

 

M U N D O   D O S   Q U A D R I N H O S

 

Mamute 2024

 

 

Mamute é uma feira artística e criativa, de produção gráfica–literária–artesanal–autoral, que acontece em Curitiba desde 2018. Ela não é voltada especificamente pra quadrinhos, mas tem quadrinhos também.

Esse ano ela vai acontecer no dia 11 de novembro, e como alguém que já participou de todas as edições (como público ou expositora), posso dizer que é um dos rolês mais legais e gostosinhos de ir!

Pra acompanhar mais detalhes, você pode seguir a Mamute por aqui.

 

 

C R I A T I V O

 

Como essa edição foi longa, só sobrou espaço pra um haikai:

 

Pro penhasco eu vou

Se eu voar, voei

Se eu cair, cabou.

 

 

        

 

Sabiá Roberto

Poeta e Redator

 

 

 

Até a próxima!

 

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